Era uma segunda-feira, 23 de setembro de 2013, eu já tinha
andado muito pelas ruelas de Fira e no início da tarde ia fazer um passeio de
barco para conhecer a cratera de um vulcão.
Estava no alto do penhasco e tinha três opções para descer
até o porto: pegar o teleférico, descer os 588 degraus no lombo de um
quadrúpede ou ir andando. O dia ensolarado e o calor intenso lembravam-me que a
melhor opção seria o teleférico. Porém, não me agradava à ideia de perder a
chance de descer todos aqueles degraus desfrutando da vista e possíveis
descobertas no caminho. Sabia que a descida seria árdua, mas resolvi arriscar.
Com certeza precisaria de muita energia para chegar até o pé
do penhasco. Então achei melhor almoçar primeiro num dos inúmeros restaurantes
charmosos de Fira.
A comida estava saborosa e a vista que eu tinha da minha
mesa era deslumbrante.
Logo que comecei a descer fui abordada por um garoto
perguntando se eu não queria pagar apenas 5 Euros, cerca de R$17,00 para descer
as escadas montada num burrico, numa mula ou num cavalo. Agradeci e disse que
preferia ir andando.
O cheiro cítrico dos dejetos dos animais espalhados pelas
escadas entrava nas minhas narinas e incomodava o estomago. Precisava desviar dos
excrementos e da urina que escorria pelos degraus. A situação não era das
melhores e eu era a única pessoa descendo a escadaria naquele momento.
Várias
vezes olhei para traz na esperança que alguém estivesse vindo, mas não vinha
ninguém.
Não tinha com quem dividir a experiência de andar por um caminho mal
cheiroso e ao mesmo tempo tão lindo que me levaria ao encontro do mar azul lá
embaixo.
Desci mais alguns degraus e me deparei com vários animais
soltos na escada, não havia ninguém por ali. Como era hora do almoço
imagino que as pessoas estivessem descansando em outro lugar.
Eu teria que passar entre os animais e logo um pensamento
terrível tomou conta de mim: “e se eles se assustarem e me derem um coice?” Não
tinha tempo para pensar na resposta para essa pergunta e segui andando como se
estivesse passeando por um jardim, tamanha era a descontração que eu queria
aparentar ou acreditar. Uma vez li um artigo que dizia que o instinto animal
percebe se o ser humano está com medo ou não. Bem, não sei se tive a
oportunidade de comprovar o estudo científico ou se as técnicas aprendidas há
anos no curso de artes cênicas ainda estavam lapidadas.
Eu nem tinha me refeito totalmente do encontro a sós com
tantos animais quando vi que alguns turistas subiam o penhasco no lombo dos
burricos acompanhados de um guia. Eles pareciam não ter uma direção certa e eu me
espremi contra as pedras do paredão para não ser pisoteada. As pessoas que
galopavam tinham uma aparência assustada, imagino que tanto quanto a minha
naquele momento.
Mais alguns minutos de descida e vi uma pequena árvore e
três pessoas disputando sua sombra. Finalmente tinha encontrado alguém para compartilhar
aqueles momentos. Eram três australianos que, como eu, se esforçavam para terminar
a longa descida. Conversamos um pouco e eu decidi partir porque como ventava, o
odor azedo e acentuado nos inundava.
Quando estava quase chegando ao final da escada, após cerca
de 40 minutos descendo, encontrei com um casal de japoneses e pedi para me
fotografarem. Já estava em paz com os burricos, mulas e cavalos e andava entre
eles com a maior naturalidade.
No porto foi recebida pela brisa do mar e o ar puro que me
fizeram ter certeza que não subiria aquela escada na volta do passeio.