segunda-feira, 28 de fevereiro de 2011

Conhecendo Londres

Recebi um email hoje do Alexandre Yamada pedindo umas dicas sobre Londres que em breve ele irá visitar. Londres é uma cidade tão cosmopolita e interessante que o melhor mesmo é ir descobrindo seus segredos andando pelas suas ruas estreitas e sinuosas. São inúmeras as atrações culturais que a cidade oferece. Portanto, assim que chegar lá compre a revista Time Out para ficar por dentro da programação e assistir pelo menos um espetáculo no Carnegie Hall. Uma vez assisti a um show do Caetano Veloso lá e ele incluiu no repertório London, London. So beautiful!
Um dos meus passeios favoritos em Londres sempre foi visitar a National Gallery que fica na Trafalgar Square. A Galeria dispõe de um serviço de visitação guiada com professores da História da Arte que vão discorrendo sobre as obras assim como sobre a arquitetura do prédio. Eu gostava tanto destas visitas que repeti o passeio algumas dezenas de vezes com professores diferentes.
Quando você estiver no meio de Trafalgar Square, junto com os pombos,  olhe para o lado direito da National Gallery e verá uma Igreja. No muro lateral desta igreja tem uma portinha  discreta que nem sempre está aberta. Tente abrir e desça as escadas, vai se deparar com um Pub embaixo da Igreja. O sagrado e o Profano vivendo harmoniosamente na mesma edificação  sem contar para muita gente.  
 E por falar em Igreja não deixe de visitar a Abbey Westminster que fica muito perto da Trafalgar Square. Recomendo visitar no final da tarde e participar da missa que é celebrada em uma parte da Igreja que normalmente não é aberta para a visitação. Aos domingos tem sempre concertos belíssimos. Ouvir o órgão com a acústica maravilhosa de Westminster é simplesmente divino.
Seguindo em frente pela Victoria Street e cruzando a ponte de Westminster se chega ao Aquário de Londres. A vida marinha representada em vários aquários gigantescos que nos fazem ter a sensação de estarmos mergulhando no fundo do mar. Imperdível.
Em uma das margens do Rio Tamisa fica ancorado um antigo navio de Guerra que tem um museu dentro e um café delicioso. Eu gostava de ir naquele café para responder as cartas dos meus amigos olhando pela escotilha do navio. Parecia que eu estava viajando!       
 Conhecer por dentro o prédio do Parlamento Inglês é uma aula de história. É preciso agendar a visita com antecedência. Logo na entrada o visitante conhece o Royal Robing que é uma sala na qual a Rainha recebe o manto e a coroa Imperial.  São várias galerias até se chegar na House of Lords and House of Commons. Na entrada da House of Commons  tem uma estátua em tamanho natural do Winston Churchill. O pé já está gasto porque segundo a tradição, os parlamentares no passado esfregavam a mão no pé da estátua para ter sorte e para melhorar as suas habilidades de falar.     
A Torre de Londres que também fica próxima é extremamente interessante de se visitar. Além de ser possível conhecer a parte interna da torre e como foi construída pode-se visitar o museu de Jóias da Coroa Inglesa. Este Museu tem um número gigantesco de jóias da Rainha.  O museu é escuro e a  iluminação está apenas nas jóias que refletem seus diamantes e rubis e pedras magníficas dando um efeito fenomenal. Na minha opinião só o Museu do Vaticano tem jóias mais grandiosas do que as da Rainha da Inglaterra.
Os parques de Londres são tão lindos e tão bem cuidados quanto um pequeno jardim suíço ou austríaco. O meu favorito é o The Regents Park que eu gostava de ir estudar lá nas poucas tardes ensolaradas que tínhamos durante o tenebroso inverno inglês.
Além dos parques não deixe de conhecer Kew Garden, o Jardim Botânico Real que é um dos mais importantes e belos do mundo. Existem plantas de todos os continentes e  as árvores e vegetação da Mata Atlântica e da Floresta Amazônica são cultivadas dentro de estufas enormes. Quando estive no Kew Garden pude ver até uma planta carnívora “devorando”um inseto.
 Uma das praças principais da cidade é Leicester Square, no coração de Londres. Muitos artistas se apresentam na praça para ganhar o seu sustento. Sempre tem alguém tocando um instrumento, outro cantando, as estátuas humanas mais criativas que já vi, tem gente fazendo malabarismo, ou seja, de tudo um pouco de acordo com a hora do dia. Em volta da praça estão os cinemas mais tradicionais de Londres. O Empire é o mais famoso, cheio de pompa é conhecido por receber os atores principais e parte do elenco na noite de estréia dos filmes badalados. O Titanic estreou lá e fiquei junto com a multidão tentando em vão ver o Leonardo di Capri sair de dentro de uma imensa limusine.
Seguindo por uma das ruas laterais do Empire se chega a Chinatown onde restaurantes típicos chineses dividem o mesmo espaço com Pub’s ingleses e irlandeses. Em Chinatown tem um restaurante chinês que se tornou famoso e está no Guiness Book por ter o pior serviço do mundo. Estive  lá várias vezes mas não me recordo do nome agora. É só perguntar na rua que todo mundo conhece. Há mesas no andar térreo, no subterrâneo e no primeiro andar. Então quando se chega o garçom logo grita: “ upstairs” ou “downstairs” e aponta com o dedo a escada. Para quem não sabe que a especialidade do restaurante é o péssimo serviço leva um susto enorme. A primeira vez que estive no restaurante pensei que o próximo passo seria ser atingida por um golpe de Kung Fu. Fui a convite de um colega de classe que se divertiu bastante as minhas custas. Às vezes as pessoas ficam tão assustadas que vão embora e os garçons se sentem honrados, pois estão fazendo um ótimo trabalho e mantendo a tradição do lugar. A comida é deliciosa e é preciso dividir a mesa com outros clientes. O garçom "amavelmente" irá lhe indicar onde sentar.    
Na praça também fica o restaurante Rendez-Vous que servia o melhor cheese cake de Londres.   
A Charing Cross Road, ali perto, é a rua das livrarias. Tem tudo o que se possa imaginar que já foi publicado no universo. Os livros, com suas edições luxuosas, aqueles que dificilmente chegam aqui nas nossas livrarias, custam muito pouco. A vontade é de trazer vários na mala.
Não deixe de conhecer Carnaby Street e seus produtos concebidos por designers futuristas. O exotismo é o princípio básico desta rua. Não muito distante fica uma loja da National Geographic que vende tudo o que os amantes da fotografia como nós sonham em ter. Só andar pela loja já é um passeio.
Houve uma época em que morei na região de  Covent Garden que no passado era um mercado de frutas e legumes. Hoje abriga lojas renomadas e cafés elegantes. A arquitetura antiga contrastando com as lojas modernas é muito interessante. Ao lado fica o Museu dos Transportes que tem vários ônibus e carros antigos expostos.   
Para visitar o Museu de História Natural reserve um dia inteiro. O museu é enorme e interativo, pode-se colocar a mão em quase tudo e com um simples toque de dedos se faz descobertas incríveis. Não deixe de visitar este Museu.
Se tiver tempo e interesse visite o Tribunal de Justiça de Londres. As galerias costumavam ser abertas para o público e pode-se assistir a um julgamento. Quando eu era estudante em Londres uma professora nos levou para conhecer o prédio e assistimos a um julgamento para testar o nosso conhecimento do vocabulário jurídico. Aulas práticas fazem parte do sistema educacional britânico.       
Enfim, Londres é muito mais do que Palácios, Troca da Guarda Real e do Big Ben.
Divirta-se e boa viagem!      

domingo, 27 de fevereiro de 2011

Minha Primeira Viagem para a China

Antes de falar sobre os lugares que visitei neste país tão acolhedor e intrigante que é a China preciso primeiramente explicar o porquê de ter ido para lá.
Sempre fui apaixonada por fotografia e com freqüência visito exposições, museus e obviamente fotografo bastante. Meus temas favoritos para fotografar são natureza e arquitetura. Apesar de nunca ter estudado fotografia, sempre que voltava de uma viagem as pessoas queriam ver as minhas fotos e houve até situações que alguém gostou tanto de uma foto de uma paisagem, por exemplo, e me pediu  uma cópia de presente. Outras vezes alguém usou como pano de fundo da tela do computador uma foto que eu tirei. É claro que isso tudo me deixava muito feliz, mas eu não levava muito a sério porque achava que não passava de gentilezas de amigos. Posso dizer que várias vezes quando estive  visitando uma exposição fotográfica vi trabalhos muito parecidos com alguma coisa que eu já tinha fotografado ou feito um ensaio a respeito.
A Ana Rosa que trabalha comigo há vários anos sempre gostou muito das minhas fotos e  a cada retorno meu de uma viagem é a primeira pessoa a querer ver as minhas fotos. Um dia, em junho ou julho de 2008, se não estou enganada, quando cheguei para trabalhar a Ana Rosa me esperava com um pedacinho de jornal na mão. Ela tinha visto no Jornal do Metrô um anúncio sobre um concurso de fotografia e resolveu recortar o anúncio e me dar. Eu nunca tinha pensado em participar de um concurso de fotografia, mas ela me entregou o recorte e confiante disse: “Audy, eu vi esse anúncio e pensei em você. Por que você não participa do concurso?” Agradeci e falei para ela que ia ver as informações no site que constava lá no pedacinho de jornal. Se tratava da terceira Edição do Concurso Fotográfico Árvores de São Paulo realizado pela Secretaria do Verde e do Meio Ambiente, pelo Senac e pela Porto Seguro. Faltava apenas uma semana para encerrar as inscrições e cada participante poderia enviar até no máximo três fotos para cada uma das categorias: beleza ou relevância. Quando acabei de ler fiquei pensando que teria que encontrar uma árvore no meu caminho do trabalho para casa para fotografar e enviar a foto. Não tinha tempo para sair procurando uma árvore e fazer a foto.
 Andando pela Avenida Paulista notei que uma paineira próxima ao prédio do MASP era exatamente o que eu procurava. Como gosto muito de natureza eu conhecia aquela árvore. Atravessei a rua e a observei de vários ângulos, mas nenhum poderia me dar o enquadramento que eu queria. Então fiquei no meio da avenida naquela muretinha que separa as pistas para fazer a foto que eu tinha imaginado. Como queria inscrever a foto na categoria relevância, achei que a Paineira por si só já demonstrava a importância do verde em uma cidade com alto padrão de poluição como São Paulo. As colunas vermelhas ao do fundo do MASP mostrariam um dos museus mais lindo e importante do país. Então, fiquei esperando um ônibus azul passar e assim completar a foto que eu tinha imaginado. O ônibus tinha que ser obrigatoriamente azul para fazer o contraste com as colunas vermelhas do MASP e o verde da árvore. Consegui após algumas tentativas fazer a foto do jeito que eu queria e enviei esta única foto para o concurso. A minha máquina fotográfica era muito simples, sem nenhum recurso além de um zoom primitivo.
Em setembro de 2008 passei as minhas férias viajando pela Europa. No dia que estava vendo os meus emails no saguão do hotel em Praga,na República Tcheca, percebi que havia um da Secretaria do Verde e do Meio Ambiente de São Paulo. Eu estava sendo comunicada que os organizadores do  Concurso Fotográfico Árvores de São Paulo haviam recebido mais de 1.000 fotos e a minha tinha sido premiada com a terceira colocação no concurso. Eu não podia acreditar! A minha alegria foi tão grande que se pudesse teria embarcado no primeiro avião de volta para o Brasil para estar presente na cerimônia de premiação e ver a minha super obra de arte exposta. Contei para o pessoal do Hotel que estava hospedada e os Tchecos abriram uma garrafa de vinho para comemorar o resultado do concurso. Eram pessoas que eu não sabia nem o nome delas mas que dividiram comigo aquele momento tão especial. 
Quando voltei para o Brasil fui direta ver a exposição no Senac Lapa. A sensação de ver a minha foto ampliada muitas vezes e emoldurada naquela parede foi maravilhosa. Fiquei ali por um longo tempo observando as pessoas que visitavam a exposição e se detinham por alguns minutos na frente daquela foto tão especial para mim. Em seguida procurei o Secretário do Verde e Meio Ambiente, Dr. Eduardo Jorge para receber o premio e falar um pouco sobre as Árvores de São Paulo.
Em fevereiro de 2010 recebi um email da Prefeitura de São Paulo informando que a cidade de São Paulo estava se preparando para participar da Exposição Universal de Xangai 2010 no Pavilhão das Melhores Práticas Urbanas (Urban Best Practise Area – UBPA) com uma simulação das mudanças ocorridas em  São Paulo antes de depois da Lei Cidade Limpa que entrou em vigor em janeiro de 2007. O Projeto gráfico era da Daniela Thomas e Felipe Tassara que fizeram uma reprodução do Edificio Copan e em cada uma das janelas que representavam os apartamentos do Copan seria posto uma foto ou informações sobre São Paulo. Artistas como Gal Oppido, Tony de Marco e Caio Silveira iriam apresentar alguns dos seus trabalhos no estante. A Prefeitura também tinha organizado outras ações para obter o material necessário para a exposição.
 Para a minha surpresa, aquela foto que tinha sido premiada no do Concurso Fotográfico Árvores de São Paulo havia sido selecionada para ser exposta em Xangai e a Prefeitura de São Paulo estava solicitando a cessão de imagem para uso exclusivo durante a Expo Xangai 2010.
Eu simplesmente não acreditava no que eu estava lendo. Então a minha foto da Paineira com as colunas do MASP e o ônibus azul seria exposta em Xangai na maior exposição do mundo? Eu respirava com dificuldade, meu coração disparado e mesmo com a voz tremula liguei para a Prefeitura para saber se eu realmente tinha entendido o que havia acabado de ler. Sim era verdade. A foto havia sido selecionada para fazer parte do estante de São Paulo na Expo Universal. Estava falando com a Daniele Roldán, coordenadora de Marketing da Prefeitura de São Paulo que tive a impressão que ela não entendia direito a minha euforia. Disse a ela que eu iria para Xangai para ver a minha foto exposta. Não sabia o que eu teria que fazer para bancar a minha viagem, mas iria para Xangai de qualquer forma.
Naquela noite eu não consegui dormi. Não dormi de alegria, de satisfação por saber que aquela foto tinha mesmo conteúdo e por isso tinha chegado tão longe. Na verdade era longe demais, do outro lado do mundo e eu precisava ir até lá. Há momentos na vida que valem mais do que muitos anos, para mim, este foi um daqueles momentos de alegria plena.
É aí que começa uma história linda de amor a arte, de respeito aos meus sentimentos e a vontade de tornar possível momentos inesquecíveis. Precisei de muita coragem e atitude para me permitir realizar o meu sonho de ir até Xangai e ver a minha foto exposta na maior e mais importante exposição do mundo.
E eu fui até lá.      

Um pouco mais sobre mim

Nasci em Caçador  Santa Catarina, no dia 16 de dezembro de 1971 a 1h30 da manhã no Hospital Jonas Ramos. Minha mãe sentiu uma contração no início da madrugada e pediu para o meu pai chamar a enfermeira. Quando eles chegaram no quarto eu já tinha nascido. Acho que não foi propriamente um nascimento, simplesmente me joguei no mundo. Minha mãe conta que assim que o cordão umbilical foi cortado e eu levada para o berçário chorei, ou melhor, berrei durante duas horas consecutivas. Ela escutava do quarto o alvoroço que  provoquei no berçário acordando todos os outros bebês. Eu devia estar testando as minhas cordas vocais ou avisando o mundo que tinha acabado de chegar. Não me lembro de nada disso, mas confio na palavra da minha mãe.
O meu nome deveria ser Cláudia, mas como no dia anterior ao meu nascimento o meu pai havia discutido com um amigo dele que se chamava Cláudio, eu poderia ter qualquer nome, inclusive Audmara, desde que não fosse Cláudia. Este nome, nada comum, foi escolhido a partir de uma lista de nomes fornecida pelo hospital. Portanto, não é uma combinação dos nomes da minha mãe e do meu pai como muitos pensam. Minha mãe se chama Iolanda e o meu pai César. A vantagem de se ter um nome “exótico” é que o mesmo quase dispensa sobrenome. Nunca conheci outra pessoa com o mesmo nome que o meu ou sequer alguém que já tenha conhecido outra Audmara.  
 Passei os oito primeiros anos da minha vida vivendo em um vilarejo há cerda de 30 kilometros da cidade, e que se chama até hoje Km 30. Lá morava toda a minha família, meus avós, tios, primos e outras famílias que se conheciam e eram amigos. A maioria das famílias era de origem italiana, alemã e polonesa. Cresci ouvindo meus avós e a vizinhança falarem um dialeto italiano misturado com português. Nas nossas refeições era servido apenas comida italiana e bebia-se vinho que o meu avô Olivo produzia. Ele cultivava as videiras, colhia, prensava e fazia o vinho e também o vinagre que consumíamos. O vinho era armazenado em uma pipa enorme no porão de terra batida da casa dos meus avos. Na frente da pipa de madeira, um pouco acima da torneirinha ficava um pequeno copo de vidro para quem passasse por ali e quisesse “matar a sede” como dizia o meu avô. Na época do vinho doce, aquele período em que o vinho ainda está em processo de fermentação, eu adorava dar uma fugidinha até o porão e encher aquele copo com o vinho cuja espuma roxa era tão linda que eu bebia mais pela beleza da cor do que pelo vinho propriamente dito. Em algumas ocasiões o meu avô me pegava com a mão na torneirinha ou com o copo já na boca lambuzada de vinho. Ele não nunca brigava comigo, talvez porque eu era a única neta, além do meu irmão e de um primo. Na casa dos meus avós  maternos sempre desfrutei de enormes privilégios e cuidados. Quando o meu avô me flagrava perto da pipa a única coisa que ele fazia era gritar para a minha avó, muito bravo, dizendo que a menina ia ficar “tchuca”, ou seja, bêbada no italiano-português lá de casa. A partir daí começava aquelas típicas brigas de família italiana que parece que vai acabar em uma tragédia sanguinária. Felizmente a briga logo acabava porque minha avó Nadia, que era muito sábia, nada respondia para o meu avô. Só resmungava: “matucelo”, ou seja, louco. Minha avó, a pessoa mais amável que conheci na minha vida, me dizia que eu devia pedir para ela primeiro e só pegar o vinho da pipa quando ela estivesse junto comigo. Essa era a bronca que eu levava e é claro que logo esquecia e fazia tudo de novo... no dia seguinte a gritaria se repetia com mais intensidade ainda.
Durante a minha infância não havia energia elétrica no Km 30 e a geladeira da nossa casa era a gás. Eu tinha um castiçal azul escuro com uma vela fina e branca que a minha mãe sempre ascendia para eu ir para o meu quarto dormir. Eu, mesmo sendo muito pequena, andava pelo corredor escuro sem medo enquanto observava as sombras gigantescas dos objetos que a chama da vela projetava nas paredes. O meu quarto era o último do corredor e quase toda noite eu me descuidava e derrubava um pouco de cera quente derretida da vela na minha mão. Aquela cera líquida quase fervendo demorava uns segundos para se solidificar na pele fina dos meus dedos. Como doía cada uma daquelas gotas de cera que tanto me queimavam. O pior era esperar até a cera ficar branca e dura para arrancar da mão com força e se ferir ainda mais. Esses acidentes eram tão freqüentes que eu nem chorava cada vez que a cera castigava a minha pele.  
O meu avô Laurindo tinha uma televisão à bateria que chiava muito e a imagem era quase indecifrável. Era a única televisão do Km 30. Não me lembro de alguma vez ter conseguido assistir a um único programa naquela TV preta e branca, muito pequena e que minha avó a tratava como sendo a maior relíquia da casa. Mas a novidade não durou muito tempo porque logo a TV quebrou e nem mesmo depois de inúmeras tentativas de reparo ela voltou a funcionar. Só depois que me tornei adulta soube que como a minha avó passava horas assistindo televisão e o meu avô se sentia injustiçado pela falta de atenção, um dia ele decidiu cortar o cabo que ligava a TV a antena no alto da casa. Nunca ninguém descobriu que era esse o motivo da TV estar sempre fora do ar.    
Que felicidade a minha de não ter tido Televisão nos meus primeiros anos de vida. Tive uma infância livre, pude ser criança e tive a chance de inventar brincadeiras e brinquedos com o que encontrava na natureza.  
Na nossa casa escutávamos todos os dias as notícias no rádio a pilha que ficava em cima da geladeira a gás ao lado do pingüim gorducho de vidro. Tínhamos também uma vitrola à pilha, e os discos preferidos dos meus pais eram os do Teixeirinha & Mary Teresinha e Vicente Celestino.  Quando a vitrola estava ligada tínhamos que ter muito cuidado para caminhar pela casa. O assoalho era de madeira e qualquer movimento brusco nas tábuas do chão irregular fazia a agulha do toca disco vibrar e riscar o vinil.  Normalmente isso acontecia e lá vinha mais gritaria, desta vez dos meus pais  em coro. Eles ficavam horrorizados com a possibilidade de nós termos riscado suas preciosidades musicais. Nós saíamos correndo porta a fora e às vezes a minha mãe tentava fazer uso da vara de marmelo que ela guardava numa prateleira perto do fogão a lenha. A vara nunca sequer passou perto de nós porque eu e o meu irmão, todos os dias, quebrávamos cuidadosamente um pedacinho da vara. Assim quando a minha mãe precisava da vara o que tinha sobrado dela era muito pouco para nos alcançar. Ao lado da nossa casa passava um rio e em uma de suas margens tinha um pé de marmelo que nos dava frutos deliciosos além de varas que minha mãe adorava cortar e ter sempre a mão.
Na cozinha e na sala tínhamos lampião a gás que fazia muito barulho e esquentava bastante o ambiente. Eu gostava de ficar olhando para a chama azulada do lampião até os meus olhos lagrimejarem. Outras vezes ficava esperando algum inseto ser atraído pela luz e logo perecer no calor da sua curiosidade.    
Nós mudamos para Caçador quando eu tinha 8 anos e morei lá até completar os meus 16 anos. Estudei no tradicional Colégio Marista da cidade e conheci de perto o rigor de um sistema de ensino autoritário que ao invés de convidar o aluno a pensar e a debater o amedrontava e silenciava.
 No início de 1988 saí da casa dos meus pais para ir estudar em Curitiba. Fui morar com o meu único irmão, que é um pouco mais velho do que eu e que já estava estudando lá.
No ano seguinte, o meu irmão entrou na USP e viria estudar em São Paulo. Eu queria ficar em Curitiba, mas meus pais foram categóricos: você vai para São Paulo com o seu irmão ou volta para casa. Foi fácil escolher. Eu tinha 17 anos, não conhecia ninguém aqui e não tinha muita noção do que era a cidade de São Paulo. Quando cheguei na Rodoviária do Tietê, além do endereço do quarto de pensão que íamos morar, eu trazia comigo apenas um ursinho de pelúcia, uma mala de roupas e outras tantas de sonhos. Foram anos extremamente difíceis, batalhas gigantescas que tivemos que vencer para sobreviver, para não desistir do que acreditávamos e ter que voltar para casa. 
Eu sempre quis ser jornalista, prestei vestibular e passei para jornalismo. Decidi cursar Administração com habilitação em Comércio Exterior porque era mais fácil conseguir trabalho e a tão sonhada independência financeira.  Como a vida é feita de escolhas e temos que arcar com as conseqüências das mesmas, confesso que no meu caso paguei um preço bastante alto pela minha opção.  Eu detestava quase todas as matérias do meu curso e achava um verdadeiro horror aquelas aulas que deveriam me preparar para o mundo corporativo. Agora entendo que as aulas que me pareciam tão torturantes me deram base para a minha formação como profissional e alguns conceitos uso até hoje. Comecei a trabalhar durante o dia no mesmo ano que entrei na Universidade. Como quase todos os meus colegas de classe, chegava exausta para as aulas que terminavam muito tarde da noite. Apesar de não gostar do meu curso eu estudava bastante, sempre fui boa aluna. Na verdade acho que o que eu mais queria era estar livre daquilo tudo o mais rápido possível. Com 21 anos me formei pela Universidade Presbiteriana Mackenzie. Só participei da colação de grau oficial, afinal não tinha muito para comemorar. 
 Trabalhei em algumas empresas na área de Comércio Exterior e aos 23 anos tinha economizado o suficiente para comprar o meu primeiro carro.
Nesta época muitos dos meus amigos já tinham viajado para o exterior, outros tinham feito intercambio e já falavam inglês. Eu nunca tinha saído do Brasil, não falava inglês e sonhava em viver na Europa, conhecer aqueles lugares que eu tinha visto tantas vezes nos livros. Pensava que trabalhando com Comércio Exterior poderia ter esta oportunidade no futuro. É evidente que poderia ter conseguido uma transferência para o exterior se tivesse sido capaz de suportar a rotina dos meus afazeres nas empresas multinacionais que trabalhei. Com freqüência eu me demitia dos meus empregos para total espanto de chefes que nunca entendiam nada quando eu expunha as minhas razões para mudar, me libertar daquilo que tanto me sufocava.  A cada novo emprego eu tinha mais certeza de que não iria agüentar por muito tempo aquele “jeito de ganhar a vida”. A rigidez das relações entre as pessoas e os valores pregados nas organizações que trabalhei estavam sempre em conflito com os meus princípios e o que eu queria para a minha vida.
 Então resolvi tomar uma decisão drástica que iria mudar a minha vida para sempre. Contra a vontade da minha família e obviamente sem nenhum apoio financeiro dos meus pais resolvi ir embora para Londres. Verifiquei o quanto eu tinha na minha poupança, fiz algumas pesquisas sobre cursos no Exterior e tomei a sábia decisão de primeiro aprender a falar inglês e depois me preocupar em comprar um carro o que poderia fazer em qualquer momento da minha vida.
Em agosto de 1996 embarquei sozinha para a Inglaterra. Fui morar em Londres e correr atrás dos meus sonhos. Uma vez mais eu me via com uma pequena mala partindo para o desconhecido como quem vai sem saber ou certo quando volta, se volta e em que condições vai voltar. Lembro que quando fiz o meu check-in  no aeroporto de Guarulhos a minha bagagem toda para ir viver em outro continente pesou apenas 12 kilos. Para mim o que mais pesava eram os meus sonhos e a enorme vontade de vencer que eu levava comigo. Eu só tinha tido algumas aulas de inglês na Universidade e nunca tinha feito nenhum curso aqui no Brasil, mas acreditava que mesmo assim iria conseguir me virar na Inglaterra. E consegui. No terceiro dia que estava em Londres já tinha conseguido um emprego e fui sozinha abrir uma conta bancária num banco inglês com a ajuda do meu dicionário de bolso português-inglês que tinha comprado aqui no Brasil.
Nas minhas aulas de inglês aprendi um dia um provérbio que sempre uso: “ where there is a will, there is always a way”. Em português, literalmente, poderia ser: “Quando existe vontade, há sempre um caminho”. 
Os anos que vivi em Londres, sem dúvida, merecem um capítulo a parte.  Aprendi muito e dei o primeiro passo para me tornar a cidadã do mundo que eu sempre quis ser. Na verdade eu não queria ir para a Inglaterra, queria estudar francês na Sorbonne em Paris, mas de novo tive que optar pelo que me parecia ser mais sensato naquele momento.   
Só voltei para o Brasil em dezembro de 1998 após ter obtido a certificação de proficiência da língua inglesa para estrangeiros concedida pela Universidade de Cambridge. 
Logo comecei a trabalhar como professora de inglês para executivos em uma renomada escola de línguas americana e também dava aula particular em empresas e na minha casa.     
Foram mais de sete mil aulas ministradas durante os cinco anos que trabalhei na escola. Neste período além dos cursos de Teatro que me qualificaram para trabalhar profissionalmente como atriz fiz  também Pós-Gradução –Lato Sensu em Língua Portuguesa na PUC-SP.  Após terminar este curso tive certeza de que me manterei afastada por muitos anos do mundo acadêmico brasileiro.
Desde que resolvi parar de dar aulas, há quase sete anos, trabalho em um Consulado.

 Na parede da minha sala tenho escrito um poema com o qual me identifico bastante:
“ Para ser grande, sê inteiro: nada teu exagera ou exclui.
Sê todo em cada coisa. Põe o quanto és no mínimo que fazes.
Assim em cada lago a lua toda
Brilha, porque alta vive.”
Ricardo Reis   

O nascimento do meu Blog

A idéia de fazer um blog já existia há muito tempo e sempre adiei porque queria primeiro escrever vários textos e selecionar as fotos das viagens. Estava incerta sobre quais viagens eu iria escrever se colocaria em seqüência cronológica, se dividiria de acordo com cada país visitado ou estado brasileiro. Considerando que já viajei bastante, as dúvidas começaram a ficar quase proporcionais as léguas rodadas.  
Como estou prestes a embarcar para o Oriente outra vez numa viagem que acredito que será a mais fenomenal de todas, decidi que este é o momento apropriado para o meu blog nascer!
O incentivo e apoio constante de amigos queridos que se divertem lendo os meus relatos de viagem foi decisivo para a partir de agora tornar público o meu jeito de viajar e ver o mundo.
Um beijo grande,  
Audmara Veronese