segunda-feira, 23 de novembro de 2015

12º Maratona de Revezamento Ayrton Senna

Ontem, 22 de novembro de 2015, participei pela terceira vez da Maratona de Revezamento Ayrton Senna no autódromo de Interlagos. A corrida, como sempre, exige muito preparo físico e disposição para enfrentar o asfalto quente, as descidas velozes e as intermináveis subidas do autódromo de Interlagos.
O esforço já começa na ida para o autódromo. Acordei ás 4h00 da manhã para encontrar com a equipe ás 5h15 e seguirmos juntos para Interlagos.  O nosso octeto nomeado Fidipídes era formado por amigos de muitas corridas: eu, a Fernanda, Isabela, Bianca,  o casal Cláudia e Waldemar, Renato e a Daniela que precisou ir embora antes do término do revezamento.
A largada da corrida era ás 7h00, tínhamos que sair cedo da região da Av.Paulista porque o trânsito é sempre intenso até o autódromo.
Este ano eu não tive condições de treinar, não fiz natação e sequer consegui fazer uma corridinha preparatória para a prova.  Eu era a quarta da equipe a correr e quando entrei na pista já fazia calor e o sol brilhava com intensidade. Sabia que não poderia forçar para não me lesionar, mas também não queria “passear” pelo autódromo. 

Logo ao sair dos boxes mergulhei no “S” do Senna com uma boa velocidade que mantive na reta e diminuí um pouco na primeira subida. Estava bem, mas percebi que os batimentos cardíacos estavam um pouco acelerados. Quando me aproximei da última subida, que tem quase 2 km de extensão, e parece interminável, resolvi parar num posto de hidratação, peguei um copo de energético e enquanto bebia meia dúzia de goles andei pelo menos uns 30 passos para recuperar o fôlego. Olhei no meu cronômetro e vi que o meu tempo de corrida era 24 minutos. Faltava menos de 1 quilômetro para o final da prova, poderia ter apertado o ritmo para garantir um bom tempo, mas preferi ser cautelosa e segui no meu ritmo. Terminei os 5 km 125 metros em 30 minutos e 29 segundos. Considerando as dificuldades da pista de Interlagos e a minha falta de preparo fiquei até satisfeita com o meu resultado. 
A nossa equipe conseguiu uma boa classificação no placar geral se levarmos em conta que não estávamos disputando nada, apenas correndo entre amigos. Entre as 413 equipes de oito pessoas nós ficamos com a classificação 179. Esse resultado também é discutível porque os tempos dos nossos cronômetros são todos inferiores aos oficiais da prova.
Eu e a Fernanda no "S" do Senna

Este ano a organização da prova foi no mínimo lamentável. Na verdade o que tinha era muita desorganização. As camisetas não foram entregues junto com o kit conforme comunicado abaixo do Instituto Ayrton Senna.

Queridos atletas,
Gostaríamos de primeiramente pedir desculpas pela mudança na data da retirada do Kit Atleta deste ano.
Tivemos um problema sério com o nosso fornecedor de camisetas, que não honrou nosso acordo de data de entrega. Além disso, a qualidade das camisetas entregues estava completamente fora dos nossos padrões de qualidade da prova, o que nos fez então tomar a decisão de assumir o prejuízo e produzir novas camisetas para serem entregues após o evento deste Domingo.
Temos ciência de que isso pode gerar frustração de vocês e pedimos mais uma vez desculpas.
De acordo com o código do consumidor, para que possamos reaver o dinheiro pago pelas camisetas mal feitas, temos que retorná-las ao fornecedor, e, por conta disso, estamos pedindo a cada atleta que retire o kit sem as camisetas nesta sexta e sábado, com a certeza de que iremos entregar a cada um dos participantes, no endereço informado no ato da inscrição, as duas camisetas novas (atleta e finisher) com qualidade e modelagem adequadas. Iremos entrar em contato por e-mail ou telefone para confirmar o endereço.
Para os atletas que, mesmo assim, prefiram retirar as camisetas em má qualidade no dia da prova, teremos um estoque separado para isso no local de retirada.
Pedimos desculpas pelo imprevisto e agradecemos desde já a compreensão de todos. Entraremos em contato na próxima semana para informar o procedimento de entrega das camisetas.

Salientamos ainda que os atletas devem retirar o restante do kit (número de Peito, Chip, sacola e viseira) no seguinte local: Vision Capote Valente – Rua Capote Valente, 1300 – nos dias 20 e 21 de Novembro, das 9h às 21h.

domingo, 25 de outubro de 2015

Correndo com a correnteza

O Instituto Harmonia, em parceria com a CAIXA, organizou o Circuito de Corridas Rios e Ruas que visa resgatar a importância dos rios da cidade de São Paulo que foram canalizados e correm sob nossos pés. O circuito, dividido em três etapas, segue o curso dos rios nas corridas com percurso de 6 km para corredores e 4 km, um passeio para os iniciantes.

A primeira corrida foi nos arredores do Zoológico e Jardim Botânico, a segunda no Centro Histórico e terceira será no Parque Ecológico do Tietê.
Painéis expostos na largada da corrida
Participei hoje, 25 de outubro de 2015, da etapa Centro Histórico que teve a largada na Praça da Sé, em frente ao prédio da CAIXA.
A corrida de 6 km foi muito especial para mim e marcou a minha volta as corridas oficiais. 
Desde que retornei da África do Sul com o meu irmão muito doente, no dia 23 de janeiro de 2015, esta foi a primeira vez que consegui correr uma prova. Meus dias e os meus esforços têm sido em função da recuperação do meu irmão. http://audmara.blogspot.com.br/2015/07/a-volta-dramatica-da-africa-do-sul.html.
Este ano não tive tempo para treinar, não estou fazendo musculação na academia nem natação que sempre foi  um dos meus esportes favoritos. Apesar da falta de preparo físico fiquei feliz porque ainda assim consegui terminar a prova com um tempo razoável, o que significa que o nosso corpo tem mesmo memória. 
Corri 6 km pelas ruas estreitas do centro histórico em 36 minutos e 15 segundos. 
 Eu e o Cônsul Dioka Mogano, com quem trabalhei no Consulado da África do Sul
Encontrei a Márcia na corrida, já corremos juntas tantas vezes. 
O kit da corrida tinha vários itens, inclusive cerveja misturada com suco de limão e tangerina. Acho que os patrocinadores deveriam prestar mais atenção no seu público alvo. A maioria dos corredores, e eu me incluo nesta categoria, não bebem nenhum tipo de bebida alcoólica. 



quinta-feira, 23 de julho de 2015

A volta dramática da África do Sul

Hoje faz seis meses que retornei ao Brasil no voo mais difícil da minha vida. Estava a bordo com o meu irmão, muito doente, que tinha ido me visitar na África do Sul. Ele havia passado mal e foi hospitalizado em Strand. Forcei a saída dele do hospital e assumi todos os riscos da viagem, não havia nenhuma garantia que ele chegaria vivo a São Paulo.
No início de 2014 resolvi mudar a minha vida radicalmente porque estava insatisfeita com a minha rotina. Pedi demissão do meu trabalho no primeiro dia útil do ano. Eu trabalhava há mais de nove anos no Consulado Geral da África do Sul em São Paulo e já não tinha o devido entusiasmo para desempenhar as minhas funções diárias. Era hora de mudar. Protelei essa decisão por muito tempo porque tinha estabilidade no emprego e o prazer de poder ir e voltar para o trabalho andando, uma caminhada de 25 minutos. Considerando as dimensões de São Paulo isso é um enorme privilégio.
Inicialmente pensava em organizar uma viagem de volta ao mundo seguindo sempre a rota do Sol. Queria sair do Brasil no verão e passar pelo menos um ano viajando da maneira mais simples possível, levando comigo apenas o meu equipamento fotográfico, um laptop, uma dúzia de peças de roupas e um par tênis nos pés.

Eu ainda não tinha começado a esquematizar a minha viagem quando fui convidada para trabalhar numa Degustação de Vinhos Sul Africanos para jornalistas e empresários do setor. O trabalho envolvia também a tradução do portfólio de dez vinícolas que participariam do evento. Como eu já havia feito algumas traduções sobre vinhos anteriormente aceitei o convite. As traduções eram extremamente técnicas, um trabalho árduo, mas também interessante porque tive que fazer inúmeras pesquisas para me interar do assunto. Aprendi bastante e também desenvolvi um carinho especial pela viticultura e enologia.
Ao término do evento fui consultada sobre a possibilidade de trabalhar na África do Sul. A minha função principal seria atuar como interprete (português-inglês) em degustações, eventos, reuniões e também acompanhar executivos brasileiros que estivessem visitando vinícolas da região do Cabo.
A ideia de morar e trabalhar no continente Africano me pareceu tentadora. Decidi abraçar a oportunidade e adiar uma vez mais o meu projeto inicial de dar a volta ao mundo. Para mudar de país é necessário tomar uma série de providencias, e no meu caso a primeira foi anunciar que o meu apartamento estava disponível para locação. Resolvi alugar do jeitinho que estava, com todos os eletrodomésticos, móveis, utensílios, cortinas, enfim, tudo o que eu tinha exceto alguns itens de uso pessoal. O processo de locação demorou cerca de quatro meses.
Neste ínterim fui convidada para trabalhar seis semanas no Consulado Geral Britânico. O meu trabalho temporário, durante a Copa do Mundo do Brasil, foi auxiliar na organização da festa de comemoração do aniversário da Sua Majestade a Rainha Elizabeth II aqui em São Paulo. A festa, um evento grandioso, contou com a participação do Príncipe Harry, representando a Família Real Britânica e inúmeros convidados ilustres. Sem dúvida, uma experiência ímpar que selou com muita elegância os meus trabalhos no mundo da diplomacia.
Strand, a cidade que morei na África do Sul
Comecei então a preparar a documentação para o meu visto de trabalho para a África do Sul. Como a lista de exigências e os trâmites para a obtenção de todos os certificados e documentos com tradução juramentada demoraria alguns meses para ficarem prontos, foi preciso rever os meus planos outra vez. Decidi então ir para a África do Sul primeiramente como turista, passaria três meses em Strand, a cidade que iria morar, e retornaria ao Brasil para dar prosseguimento ao meu visto de trabalho.

Um mês antes de eu embarcar para a África do Sul, os meus pais, que moram em Santa Catarina, sofreram um assalto pavoroso com todo o requinte possível da crueldade humana. Os bandidos invadiram a casa deles e os torturam muito antes de roubar o máximo que puderam. Milagrosamente eles sobreviveram á brutalidade dos golpes sem nenhuma fratura grave. Uma semana após o assalto, os ferimentos físicos deles já estavam parcialmente cicatrizados e os 17 pontos que meu pai teve na cabeça já haviam sido removidos. Eles viajaram para São Paulo e passaram um mês aqui comigo e com o meu irmão. Eu os levei para várias cidades vizinhas, tentei amenizar os horrores que eles tinham vivido fazendo programas culturais. Foram dias extremamente difíceis considerando a situação que eles se encontravam e também porque em breve eu iria embora do país.
Beach Road, a avenida que eu morava em Strand
Eu morava no primeiro prédio a esquerda, no terceiro andar

Em novembro embarquei para a África do Sul tendo como destino Strand, uma cidadezinha banhada pelo mar e abraçada pelas montanhas, na rota dos vinhedos, distante 50 km da Cidade do Cabo. Antes de eu partir já tinha alugado lá um apartamento mobiliado, de frente para o mar, o qual pertencia ao marido de uma amiga minha sul-africana. Era um apartamento extremamente agradável e bonito. Sempre sonhei em morar na praia e em breve teria o mar aos meus pés todos os dias. É claro que a empolgação inicial com a mudança estava diminuída em função de tantos problemas na minha família, mas apesar de tudo eu sabia, no meu íntimo, que precisava partir.
Durante a longa viagem até a Cidade do Cabo aproveitei para descansar e desfrutar do conforto da Business Class da South African Airways que, gentilmente, me presenteou com a mudança da categoria da minha passagem de econômica para executiva no dia do embarque.
Ao chegar ao aeroporto da Cidade do Cabo a minha amiga Alba me aguardava sorridente e de braços abertos. Há mais de dez anos ela me convidada para ir para a África do Sul, mas eu sempre viajava para outros destinos nas minhas férias. Finalmente estava lá!
Somerset West, encravada na montanha a 4 km de Strand

A rodovia do aeroporto até Strand é cinematográfica, com muitas montanhas, vinhedos e flores pelo caminho. Não demorou muito e avistamos a pequenina Strand. 
Nunca vou esquecer a minha alegria ao entrar naquele apartamento com a vista maravilhosa do mar.
Da minha janela eu via o Cabo da Boa Esperança e em dias claros as luzes da Cidade do Cabo. Todos os dias, era agraciada com a beleza do entardecer e o espetáculo do pôr do sol que afagava a minha alma e me inundava de alegria.
No primeiro mês em Strand visitei várias vinícolas e conheci lugares fantásticos apresentados pela minha amiga Alba e seus amigos. Eu estava cercada por pessoas que se esforçavam para me mostrar o melhor da África do Sul e me ajudar a superar meus problemas familiares.
Venta tanto em Strand que as árvores são tortas

Strand é uma cidadezinha que guarda inúmeros traços deixados pelos ingleses e holandeses. Muitas vezes eu tinha a sensação que estava morando na Europa e não na África do Sul. Em Strand os proprietários da maioria dos imóveis são europeus aposentados que trocam o frio do inverno do velho mundo pelos dias ensolarados e quentes da África do Sul. Na cidade praticamente não há vida noturna, os poucos restaurantes fecham cedo e as pessoas raramente andam a pé pelas ruas quase desertas. Acredito que uma das razões da falta de pedestres é que em função da sua posição geográfica, a cidade sempre é atingida por ventanias. É muito raro não ventar em Strand, quase diariamente os ventos chegam a 70 km/h. Para mim era uma experiência nova ter que lutar contra o vento para atravessar uma rua. No começo eu achava divertido, mas aos poucos fui entendendo o porquê de muitas vezes eu ser a única pessoa andando pelas ruas e quase sendo carregada pelos ventos.
O vento contrário as ondas, um espetáculo único
Na manhã do dia 10 de dezembro de 2014, eu estava em casa. Como o vento trazia muita areia para dentro do apartamento resolvi aspirar o tapete da sala. O aspirador fazia um barulho quase ensurdecedor. Imagino que estava aspirando durante uns 15 minutos quando faltou luz. Durante o período que morei em Strand faltava luz quase todos os sábados de manhã e ás vezes durante a semana. Como eu não sabia quanto tempo ficaria sem luz, resolvi ir para a praia, sem energia não teria nem como cozinhar, pois o fogão era elétrico.
Eu morava no terceiro andar e o prédio tinha apenas seis andares. Ao chegar ao térreo o zelador gritou para eu sair imediatamente. Ele disse que havia bandidos no prédio e a polícia estava procurando por eles. Saí correndo e logo vi a viatura da polícia em frente ao prédio. Não havia tumulto, ou melhor, não tinha ninguém na calçada e talvez uma dúzia de pessoas na praia.  Coloquei a minha toalha na areia branca, sentei-me diante do mar e comecei a meditar para me acalmar. Depois agradeci a Deus por não ter acontecido nada comigo. Eu só tinha levado a toalha e uma saída de banho, estava descalça e não tinha o que fazer a não ser esperar ter condições para voltar para casa. Demorou quase uma hora até que a polícia foi embora e só então voltei para o prédio. O zelador me contou que os bandidos tinham tentado arrombar com uma marreta o apartamento do segundo andar, ou seja, embaixo do apartamento que eu morava. Naquele instante a vizinha que estava em casa ouviu as marretadas na porta do apartamento que estava vazio e chamou a polícia. Como ela estava muito assustada e gritava bastante, os bandidos perceberam e fugiram antes da polícia chegar.
Surpreendentemente isso tudo aconteceu exatamente enquanto eu estava aspirando o tapete da minha sala. O barulho estridente do aspirador me salvou. Não ouvi nem os gritos da vizinha nem as marretadas dos ladrões. Quando vi a porta de ferro arrebentada e a porta do apartamento totalmente danificada foi difícil acreditar que eu não tinha ouvido absolutamente nada. Tenho certeza que o meu anjo da guarda está sempre por perto e bem alerta.
Não contei para ninguém da minha família nem para os meus amigos do Brasil sobre o assalto, queria evitar que ficassem preocupados comigo. Após o incidente o policiamento na Avenida da Praia começou a ser mais frequente.
No dia 18 de dezembro de 2014, o meu único irmão, foi me visitar na África do Sul. Quando o vi no aeroporto da Cidade do Cabo levei um susto, estava com a aparência de uma pessoa muito doente, difícil de entender como ele tinha viajado naquelas condições.
Os primeiros 10 dias ele passou na cama, estava stressado, abatido, tossia sem parar, quase não comia e se recusava ir ao médico. Passei a me dedicar exclusivamente a ele e, apesar dos meus esforços percebia que ele não estava melhorando. Eu tinha feito amizade com a Hanli, uma médica sul africana que conheceu o meu irmão e disse que ele precisava fazer alguns exames para que ela pudesse ajudá-lo. Como ele não aceitava fazer os exames ela prescreveu apenas algumas vitaminas e xarope para a tosse. Após alguns dias ele apresentou uma leve melhora e teve condições de fazer o safári que eu já havia organizado. http://audmara.blogspot.com.br/2015/01/caminhando-com-girafas-num-safari.html

O meu irmão  passou 35 dias comigo na África do Sul. Nós iríamos viajar para cidades próximas antes de ele retornar ao Brasil, mas em função das condições de saúde dele fomos apenas duas vezes para a Cidade do Cabo.
Na manhã do dia 21 de janeiro de 2015 ele começou a passar muito mal. Minha amiga Alba chegou ao apartamento exatamente naquele momento para me entregar algumas garrafas de vinho. Ao ver o estado que ele se encontrava ela ligou para o médico dela e avisou que em 15 minutos estaríamos no consultório dele. Meu irmão não teve condições de continuar se negando a receber ajuda.
Assim que foi atendido o médico disse que ele precisava ser internado imediatamente, estava desidratado e com os batimentos cardíacos baixíssimos. A Alba nos levou para uma clínica próxima onde uma equipe médica já nos aguardava. Fiquei sozinha com o meu irmão lá porque ela tinha compromissos inadiáveis em Stellenbosh e já tinha feito tudo o que podia para nos ajudar.
Após o atendimento emergencial a médica chefe da equipe que atendeu o meu irmão me chamou para conversar. Ela me explicou que a situação dele era gravíssima e que ela não poderia prever quanto tempo ele ficaria internado. Era preciso ter um diagnóstico confirmado para iniciar o tratamento imediato. Ela já havia solicitado vários exames.
Eu estava perplexa, não conseguia conter as lágrimas e precisava tomar uma decisão sem sequer saber as consequências reais da mesma. Falei para a médica que eu iria retornar ao Brasil no dia seguinte com o meu irmão e que o tratamento seria feito em São Paulo. Lembro nitidamente do espanto dela e a insistência em repetir que o quadro era grave e que ele corria o risco de não suportar o voo de volta. Só faltou ela dizer que era uma loucura o que eu estava fazendo e que ela não iria compactuar com aquilo. Pedi para que ela fizesse tudo o que fosse possível para que ele aguentasse a longa viagem e, sem pestanejar, assumi todos os riscos. Não poderia ligar para os meus pais e perguntar o que eu deveria fazer, meu irmão estava em um estado deplorável e eu tinha que tomar uma decisão. Assinei um termo de responsabilidade ausentado os médicos e a clínica de qualquer negligência pela alta forçada dele e decidi que embarcaria de volta ao Brasil no dia seguinte.
Assim que terminei a conversa com a médica, encontrei ao lado do meu irmão a mãe da Hanli. A Alba havia avisado a Hanli, mas como ela estava trabalhando numa cidade próxima, pediu para a mãe dela ir para a clínica oferecer o seu apoio.
Passei algumas horas ao lado do meu irmão que já apresentava uma pequena melhora embora os batimentos cardíacos ainda estavam longe da normalidade. Eu tinha pouco tempo para organizar a viagem de volta para o Brasil. Então resolvi deixá-lo sendo medicado e tomando soro no pronto-socorro, e voltei para o meu apartamento com a Hanli assim que ela chegou a clínica para nos ajudar.
No caminho de volta para o apartamento eu engolia o meu choro e a minha angústia... só repetia para mim mesma: raciocínio lógico agora, você não pode errar, pense no que é prioridade. Você vai conseguir... Parecia que estava vivendo um pesadelo sem fim e me recusava a acreditar que teria que deixar a África do Sul com o meu irmão numa situação tão delicada. Tantos sonhos, tantos planos, tudo ficaria para trás e, quem sabe, um dia será retomado.
Minha primeira providência ao chegar ao apartamento foi entrar em contato com a companhia aérea para mudar os nossos voos. Tínhamos que voar da Cidade do Cabo até Johanesburgo e de lá pegar um voo internacional para o Brasil. Liguei para a South African Airways e felizmente havia lugares nos voos e consegui mudar as passagens rapidamente.
Entrei em contato com o empregador do meu irmão e pedi para me encaminharem uma cópia da carteirinha do convênio médico dele assim como a lista dos hospitais conveniados. Solicitei também que providenciassem uma ambulância para nos levar do aeroporto de Guarulhos direto para o hospital. Eu tive todo o apoio e solidariedade da D. Eliana que além de atender imediatamente as minhas requisições, gentilmente, me informou que enviaria o seu motorista para o aeroporto para me ajudar com as malas.
 Entrei em contato com uma amiga em São Paulo que conhecia a minha mãe. Pedi a ela para ligar para a mãe e pedir para ela viajar para São Paulo imediatamente. Eu não podia ligar para a minha mãe porque com certeza ela iria perceber o meu desespero. Eu estava distante quase 10.000 km do Brasil, a vida do meu irmão estava por um fio e eu tinha decidido arriscar tudo e enfrentar a longa viagem de volta com ele.
Assim que terminei de enviar os emails a Hanli me levou de volta para a clínica. A alta forçada do meu irmão já estava aprovada. Voltamos para o apartamento e ele continuou a ser medicado. Comecei a preparar a comida sugerida pela médica e logo em seguida chegou a Denise, uma senhora atriz que eu tinha feito amizade e havia convidado para jantar conosco. Em meio ao caos, esqueci de cancelar o jantar, o que acabou sendo muito bom. http://audmara.blogspot.com.br/2014/12/trem-e-teatro.htmlPedi para ela fazer companhia para o meu irmão no quarto enquanto eu preparava algo para comermos.
No dia seguinte, 22 de janeiro de 2015, comecei a fazer as nossas malas de manhã cedo. Já era quase meio dia e eu ainda não tinha recebido a confirmação com as mudanças dos voos da South African Airways. Liguei para o Sr. Omar, ex Cônsul Geral da África do Sul no Brasil com quem trabalhei e tenho amizade. Expliquei a situação e ele imediatamente se ofereceu para me ajudar com o que fosse preciso. Eu também tinha ligado para a minha amiga Alba pedindo ajuda, pois teríamos que embarcar em poucas horas e eu ainda não tinha as novas passagens em mãos. Em alguns minutos após as minhas ligações recebi as passagens.
Antes de deixarmos a África do Sul recebi a confirmação que a mãe já estava em São Paulo na casa de uma amiga. A ambulância estaria nos esperando no aeroporto, assim como o motorista que levaria as nossas malas. Pedi para que ele levasse uma placa com o nosso sobrenome escrito com letras garrafais porque estava tão transtornada que era bem possível que eu não o visse no aeroporto.
Estava na hora de partir, minha angústia aumentava a cada segundo. Eu só pensava na hora que o avião estivesse aterrissando no Brasil e o meu irmão estivesse vivo.
A  Alba e o marido dela nos levaram de carro de Strand para o aeroporto da Cidade do Cabo. Meu irmão foi no carro com o André e eu no carro da Alba, assim podíamos conversar um pouco e ela tentar me acalmar. Eu pedia desculpas a ela por ter entregado o apartamento do jeito que estava, até com comida na geladeira e nos armários. Não tive tempo de fazer nada, sequer tinha dormido a noite anterior.
Chegamos ao aeroporto e meu irmão ficou sentado nas cadeiras do hall, estava tão debilitado que não tinha condições de ficar na fila para fazer o check-in. Despachei as malas e foi um alívio quando a atendente me entregou os cartões de embarque. Eu sabia que havia o risco do meu irmão não ser aceito no voo porque estava muito abatido. Felizmente a atendente não percebeu nada.
Solicitei uma cadeira de rodas e um funcionário para me ajudar a levá-lo para o portão de embarque. Ao passar pelo controle de passaporte e raio-x, o oficial me barrou e não queria me deixar embarcar com as comidas líquidas e industrializadas que a médica havia prescrito. Eu não podia insistir muito porque ele poderia notar que o meu irmão não estava em condições de voar e nos impedir de embarcar. Então falei apenas que o meu irmão estava com problemas de estômago e se eu não pudesse levar aquela comida ele teria que ficar sem comer durante toda a viagem. Disse também que entendia que ele estava cumprindo com o seu dever, que o achava extremamente eficiente e que eu estava disposta a jogar fora toda a comida mesmo sabendo o quanto isso faria mal para o meu irmão. O argumento foi convincente e, sem perder a autoridade e a rigidez, o oficial me autorizou embarcar com todos os potinhos de comida.
O voo da Cidade do Cabo para Johanesburgo tinha duração de cerca de duas horas e foi tranquilo. Ao chegarmos em Johanesburgo tivemos que aguardar todos os passageiros desembarcarem para sairmos pelos fundos do avião. Havia uma espécie de furgão com elevador e duas funcionárias com uma cadeira de rodas para acomodar o meu irmão e me ajudarem com a bagagem de mão.
Estávamos no lado oposto do terminal internacional e o furgão nos levou até um portão de entrada do aeroporto. Os corredores eram intermináveis e não havia esteiras funcionando. As funcionárias que estavam nos auxiliando tinham sido contratadas recentemente e se perderam várias vezes dentro do aeroporto. A moça que empurrava a cadeira de rodas do meu irmão era jovem, estava visivelmente empolgada com o trabalho dela e saía em disparada com a cadeira de rodas como se estivesse disputando uma vaga na Fórmula 1. Eu não tinha forças para correr atrás dela, pedia para ela diminuir a velocidade porque tínhamos tempo suficiente para chegar ao portão de embarque. A menina sorria, pedia desculpas e sem perceber começava outra vez a correria. E assim, eu ofegante e o meu irmão se divertindo com a brincadeira, chegamos ao portão de embarque. Acredito que, pelo menos, nós andamos e corremos uns três quilômetros dentro daquele aeroporto.
 Antes de me despedir das meninas procurei na minha bolsa algo para presenteá-las. Sempre que viajo para o exterior levo comigo lembrancinhas do Brasil para dar para as pessoas que encontro e que me ajudam de alguma forma. Achei alguns chocolates “sonho de valsa” na minha bagagem e, após traduzir o nome, dei para as meninas que ficaram muito agradecidas. Foi um momento de descontração e elas ficaram mais alguns minutos conosco enquanto comiam os bombons.
Teríamos que esperar quase três horas para embarcar de Johanesburgo para São Paulo. Sentada ao lado do meu irmão eu me esforçava para não demonstrar a minha angústia e rezava mentalmente para que tudo desse certo.
Finalmente chegou a hora do embarque e o voo não estava lotado. Consegui bloquear quatro poltronas para que o meu irmão viajasse deitado. Durante as quase nove horas de voo ele conseguiu dormir e eu, aflita, ficava checando o tempo inteiro se ele estava respirando. As horas se transformaram em dias, eu fazia minhas preces e chorava copiosamente.
Quando faltava cerca de uma hora para chegarmos a São Paulo  o meu irmão começou a passar mal. Eu sabia que o efeito dos remédios para ele aguentar a viagem estava acabando. Ele tinha que tomar uma dose que a médica havia me dado no hospital imediatamente. Preparei o remédio e insisti de todas as formas para ele tomar, mas ele estava muito irritado e não quis tomar de jeito nenhum. Nunca me senti tão incapaz. Lembro que fui para o banheiro e desabei em lágrimas. Devo ter chorado tão alto que ao sair do banheiro um comissário de bordo me aguardava ao lado da porta para saber se eu precisava de ajuda. Eu nem conseguia falar...
Aterrissamos no aeroporto de Guarulhos um pouco antes do horário previsto. Meu irmão foi levado numa cadeira de rodas por um funcionário da South African Airways enquanto eu cuidava das malas. Ao passarmos pela Polícia Federal o agente solicitou que nos encaminhássemos para a vistoria de bagagem. Era só o que faltava naquele momento eu ter que abrir as malas. Felizmente após passar pelo raio-x a bagagem foi liberada sem ter sido vistoriada manualmente.
Meu irmão não tinha noção da situação que se encontrava, mas começou a notar a minha aflição ao chegarmos ao saguão do aeroporto. Ele não entendia o porquê de eu estar tão agitada e queria saber se iríamos para casa de táxi ou de ônibus. Pedi o telefone emprestado do funcionário da South African Airways e me afastei para ligar para o motorista Fernando e confirmar o local que ele e a ambulância estavam nos esperando. Só quando chegamos do lado de fora do aeroporto falei que não iríamos para casa, mas sim direto para o hospital. Ele ficou furioso comigo, disse que aquilo tudo era uma bobagem e pediu desculpas para o Fernando pelos transtornos que eu havia causado. Enfim, ainda reclamando muito foi colocado dentro da ambulância. Entreguei as malas para o Fernando e segui com ele na ambulância para o hospital. No caminho, um pouco mais calmo, ele me perguntou se eu tinha feito mais algum absurdo. Disse que tinha pedido para a mãe vir para São Paulo e que ela estaria nos esperando no hospital. Neste momento acho que ele se deu conta que a situação era mesmo grave e chorou.
Tivemos sorte que o trânsito não estava muito complicado e chegamos ao hospital em cerca de uma hora. Só consegui respirar aliviada quando a ambulância estacionou e vi, pela janela, a mãe se aproximando, com os olhos marejados, tentava sorrir para nos receber da melhor forma possível.
Meu irmão foi internado imediatamente e no início da noite transferido para o Hospital Alvorada que é referencia em gastroenterologia.  Ele apresentava uma série de problemas decorrentes da anemia profunda e anorexia nervosa que culminaram com outras doenças oportunistas. Estava terrivelmente debilitado e passou 16 dias internados. Dois meses após a primeira internação ele passou mal novamente e voltou a ser internado por mais três dias.
Durante a primeira internação eu e mãe passávamos parte do dia arrumando e higienizando o apartamento do meu irmão que precisava estar em condições de recebê-lo assim que ele tivesse alta. A mãe fazia questão de passar todas as noites no hospital ao lado do filho, só me deixou dormir uma noite lá com ele.
A excelente equipe médica do Hospital Alvorada foi crucial para a recuperação e diagnóstico do meu irmão. Fomos informados que a recuperação dele seria muito lenta e que ele teria que ficar um ano afastado do trabalho.  
Então minha vida de repente se transformou numa luta obsessiva pela vida do meu irmão. Ele precisava ganhar peso e se alimentar da melhor forma para conseguir suportar a grande dosagem de remédios que tinha que ingerir diariamente. Assumi a responsabilidade de preparar todas as refeições dele e a mãe me ajudava com as outras tarefas da casa. Eu passava praticamente o dia inteiro cozinhando, fazia uma média de 12 a 15 pratos para cada refeição. Como o meu irmão sempre foi vegetariano, o organismo dele estava muito fraco por nunca ter ingerido proteína animal. Eu precisava convencê-lo a comer ovos, peixe, frango e carne vermelha que ele jamais colocou na boca.  Eu tentava fazer “contrabando de carne” em todas as receitas que conhecia, pesquisava na internet, pedia para amigos sugerirem receitas. As vezes as minhas investidas davam certo, mas a quantidade era ínfima e sem proteína animal dificilmente a anemia profunda seria vencida.
Com a ajuda da Dra. Fátima, uma experiente nutricionista, aos poucos ela conseguiu convencê-lo a comer ovos e peixe. Eu fazia todas as variações de receitas de peixe possível, mas ele não gostava de nada. Era desesperador. Depois de inúmeras tentativas ele começou a comer pirarucu e tilápia que normalmente eu fazia assado ou puxado na manteiga. Para não sentir o gosto do peixe ele o mergulhava no creme de leite ou enchia de pimenta, outras vezes colocava doce de leite no peixe. Eu ignorava as extravagâncias, pois o importante era ele ingerir a proteína animal.
Eu sempre gostei de cozinhar, mas nunca imaginei que um dia minha atividade principal seria pilotar um fogão. Transformei a minha vida numa sucessão de “agoras”, não tinha tempo para pensar em nada a não ser monitorar os remédios do meu irmão, as consultas, o que eu iria cozinhar naquele dia. Muitas vezes não conseguia controlar meus sentimentos e chorava enquanto descascava os legumes. Eu precisava encontrar um jeito de tornar interessante a minha rotina, então me esforçava para que os pratos ficassem saborosos, apresentáveis e que despertassem o apetite do meu irmão.
Purê de batata com inhame, quinoa, chia, gergelim e linhaça
Salteado de legumes com alga wakane
Passei a fazer quase tudo em casa para que a alimentação fosse o mais saudável possível. Até hoje faço o pão, a massa para o nhoque, o macarrão, o sorvete, os biscoitos, bolos, enfim, praticamente tudo o que comemos aqui sou eu quem faz.
Vol au vent com custard que eu trouxe da África do Sul

Passados seis meses desde que retornamos ao Brasil o meu irmão apresenta uma excelente melhora. Já engordou 11 quilos e seguirá o tratamento até o final do ano, e eu cozinhando para ele.
Confesso que foram muitas as lições e o aprendizado nestes seis meses. Cuidar de alguém doente e que se ama muito exige uma entrega enorme. Muitas vezes me esqueci de mim mesma para ajudar o meu irmão. Vivi os piores dias da minha vida nestes últimos meses, ás vezes era difícil acreditar que ele iria vencer as doenças. Sempre agradeci a Deus por eu estar em condições de ajudar e nunca deixei de aceitar tudo o que a vida me ofereceu. Acredito que nada do que nos acontece é maior do que a nossa capacidade de superação, por isso sigo em frente, sem me perguntar o porquê de estar vivendo isso tudo.
Segundo o darwinismo, a espécie que sobrevive não é necessariamente a mais forte, mas aquela que tem maiores condições de adaptação.  E eu tenho me esforçado bastante para me adaptar a tantas mudanças...

Conseguir escrever esse texto e postar no meu blog, o primeiro em seis meses, já é uma forma tímida de retomar algumas coisas da minha vida, e isso me alegra profundamente. 

sábado, 17 de janeiro de 2015

Artistas de rua da Cidade do Cabo

Todas as capitais ou grandes cidades mundo afora guardam uma praça central com apresentações de artistas. Normalmente o público é formado por turistas que doam quantias simbólicas nas caixinhas deixadas no chão ou quando alguém passa um chapéu pedindo uns trocados.
Na Cidade do Cabo esse ritual se repete, principalmente, com a apresentação de grupos infantis que cantam e dançam ritmos da cultura africana.
Existe uma lei na Cidade do Cabo que exige que os artistas tenham uma licença para se apresentar nas ruas. Obviamente muitos deles não têm essa permissão, e assim que avistam o carro das autoridades saem correndo para não terem que se explicar ou serem multados.
Em uma das vezes que estive na Green Market Square, no dia 06 de dezembro de 2014, a apresentação das crianças com as quais apareço na foto tinha terminado repentinamente porque as autoridades haviam chegado. Não tive a chance de vê-los se apresentar, mas nem por isso deixei de fazer a minha contribuição e as crianças retribuíram com um sonoro “ I Love you”.
Os demais artistas deste post fotografei no dia 11 de dezembro de 2014. A maioria das crianças falam línguas africanas e só um pouquinho de inglês. Lamentei não poder conversar com elas e saber um pouco sobre suas vidas e sonhos.